As testemunhas de Jeová recusam transplantes de órgãos?
As Testemunhas de Jeová inicialmente eram contra transplantes, mas com o tempo permitiram o procedimento, desde que não houvesse consumo de sangue. A acusação de que a organização proibia os transplantes é falsa, pois a postura era baseada em questões éticas e religiosas. É importante entender o contexto histórico e cultural para compreender a evolução dessa posição, discorre de forma quase paralela (segundo o Dr. Diego Garcia Guillén, da Universidade Complutense de Madri (http://www.iqb.es/historiamedicina/academia/gracia.htm).
A história dos transplantes de órgãos teve início na década de 50 do século XX, com debates sobre a ética da doação por parte de um sujeito vivo. As Testemunhas de Jeová não mencionaram inicialmente essa técnica, que ainda estava em estágios iniciais. A bioética da época discutia a questão da mutilação e do consentimento para doações de órgãos.
Foi em 1961 quando se fez uma breve menção do tema, no número de 1º de agosto da revista Watchtower (1º de fevereiro de 1962, pág. 96, na edição em português de A Sentinela), na seção ‘Perguntas dos Leitores’:
“Há alguma coisa na Bíblia contra a se doar os olhos (após a morte) para serem transplantados numa pessoa viva?” “…Não parece haver nenhum princípio ou lei bíblica envolvida. É, portanto, algo que cada pessoa deve decidir por si mesma….”
Na década de 60, os transplantes de tecido estavam em fase experimental e houve debates éticos sobre o uso de transplantes em seres vivos para fins experimentais. O catedrático Henry Beecher denunciou práticas médicas questionáveis em seu famoso artigo de 1966. Pouco depois, em 1967, o livro “Human Guinea Pigs” também levantou preocupações éticas na área médica. A revista A Sentinela abordou o tema das doações de órgãos em seu artigo “Perguntas dos Leitores”, questionando se há objeções bíblicas para doações de corpo para pesquisas médicas ou transplantes. Embora não haja objeções aos transplantes de tecido, a questão da mutilação de doadores vivos para transplantes de órgãos não foi abordada. A discussão sobre ética na pesquisa médica continuou a ser relevante nessa época.
No referido artigo, além de abordar a questão da mutilação, diz-se:
“Aqueles que se submetem a tais operações vivem às custas da carne de outro humano. Isso é canibalesco. Não obstante, ao permitir que o homem comesse carne animal, Jeová Deus não deu permissão para os humanos tentarem perpetuar suas vidas por receberem canibalescamente em seus corpos a carne humana, quer mastigada quer na forma de órgãos inteiros ou partes do corpo, retirados de outros.”
De maneira que, a posição da revista nesta data é claramente contrária aos transplantes. Sem dúvida, nesta postura influiu o artigo sobre “Canibalismo médico” da Encyclopœdia of Religion and Ethics (Enciclopédia de Religião e Ética), de James Hastings (veja-se o volume 3, página 199).
Dr. Christiaan Barnard foi um cirurgião sul-africano pioneiro em transplantes de coração. Em dezembro de 1967, ele realizou o primeiro transplante bem-sucedido de coração, o que gerou controvérsias e críticas na mídia. A polêmica se intensificou à medida que questões éticas sobre experimentação e definição de morte surgiram.
A Universidade de Harvard publicou um relatório sobre coma irreversível, levando grupos não médicos a questionar a definição de morte e o momento permitido para a remoção de órgãos para transplante. Artigos na imprensa discutiam o momento da morte, e hospitais organizaram reuniões entre religiosos e médicos sobre morte cerebral.
Entre 1968 e 1975, as Testemunhas de Jeová expressaram uma posição negativa sobre transplantes de órgãos em suas revistas, citando obras externas. A discussão sobre transplantes e ética médica continuou durante toda a década de 70, envolvendo debates sobre morte cerebral e a participação de grupos religiosos e filosóficos no tema.
A fase experimental dos transplantes dura até 1975; desde então, à medida que se solucionavam os problemas éticos e sobretudo os problemas técnicos, os transplantes entraram numa fase de consolidação que duraria até 1983.
Durante os primeiros anos desta fase, não há nenhuma alusão à técnica dos transplantes nas publicações das Testemunhas de Jeová. Até que no número do 15 de março de 1980 de A Sentinela (1 de setembro, p. 31, em sua edição em português) publicou-se outro artigo na seção Perguntas dos Leitores, que dizia:
“Deve a congregação tomar ação quando um cristão batizado aceita o transplante dum órgão humano, tal como a córnea ou um rim?” “No que se refere ao transplante de tecido ou osso humano de um humano para outro, é um caso de decisão conscienciosa de cada uma das Testemunhas de Jeová.”
Este artigo destaca a neutralidade das Testemunhas de Jeová em relação aos transplantes de órgãos, enfatizando a importância de cada indivíduo tomar sua própria decisão sobre o assunto. A ciclosporina, uma substância imunossupressora crucial para o sucesso de transplantes, foi descoberta em 1976 e sua utilização foi oficialmente aprovada em 1983. Nos anos seguintes, questões éticas relacionadas ao momento da morte foram resolvidas, o que levou ao surgimento de leis reguladoras sobre transplantes ao redor de 1980. A partir de 1983, os transplantes deixaram de ser experimentais para se tornarem uma terapia médica comum, sendo aceitos por diversas igrejas e religiões.
No entanto, anos depois, opositores das Testemunhas de Jeová utilizaram acusações relacionadas aos transplantes para difamar a organização. Alegações de que Testemunhas teriam recusado transplantes de maneira suicida foram feitas, incluindo relatos dramáticos de mortes de membros devido a essa postura. Essas acusações buscavam equiparar a recusa aos transplantes com a rejeição às transfusões de sangue, com o intuito de desacreditar as crenças bíblicas da organização.
O artigo aborda a veracidade dessas acusações, analisando se houve de fato ameaças de expulsão, se a recusa aos transplantes representava uma questão de vida ou morte naquela época e se Testemunhas foram realmente expulsas ou faleceram devido a essa questão. Aprofundando-se nessas questões, busca desmistificar as alegações infundadas feitas contra as Testemunhas de Jeová em relação aos transplantes de órgãos.
Era desassociado quem não recusasse os transplantes de órgãos?
Como já mencionamos na primeira seção deste artigo, no número do 15 de novembro de 1967 de A Sentinela (1 de junho de 1968, p. 351, em português), apresentava-se um ponto de vista negativo sobre esta questão. Mas, se apresentava como uma proibição categórica, sob pena de expulsão?
O mesmo artigo dizia, em sua parte final:
“Deve ficar bem evidente, por meio desta consideração, que os cristãos que têm sido esclarecidos pela Palavra de Deus não precisam fazer tais decisões apenas à base dos caprichos ou das emoções pessoais. Podem considerar os princípios divinos registrados nas Escrituras e usá-los em fazer decisões pessoais à medida que se voltam para Deus em busca de orientação, confiando nele e depositando fé no futuro que ele tem em reserva para aqueles que o amam.”
As Testemunhas de Jeová não tinham uma postura negativa em relação aos transplantes de órgãos nas publicações entre 1967 e 1975, e não havia consequências disciplinares para aqueles que optavam por fazer um transplante. Outras religiões, como a Igreja Católica, também já tiveram objeções sérias aos transplantes no passado, mas muitas mudaram de posição ao longo do tempo. O Conselho Religioso Muçulmano, por exemplo, recusou a doação de órgãos até 1983, mas depois alterou sua posição. Grupos religiosos, como os povos ciganos e seguidores do Xintoísmo, também tradicionalmente se opuseram à doação de órgãos. No entanto, a maioria desses grupos eventualmente mudou de posição, assim como as Testemunhas de Jeová, que nunca foram obrigadas a seguir uma postura específica sobre transplantes sob ameaça de expulsão.
Era aceitar um transplante uma questão de vida ou morte?
Apresentar a rejeição das Testemunhas de Jeová (ou de qualquer outro grupo) para os transplantes nos anos 60 e 70 como uma postura suicida é um sério erro de perspectiva histórica. Como já se mostrou, até 1975 os transplantes se encontravam ainda em fase experimental, e por tanto eram intervenções de alto risco. Um médico tratou o assunto de se era ético utilizar uma técnica tão arriscada em Annals of Internal Medicine, citando os resultados de 244 operações de transplante de rim; na maioria dos casos, o receptor faleceu antes de decorrer um ano.
Depois, comentando sobre os perigos para o voluntário que doa um de seus rins, o doutor perguntava: “Está bem submeter a uma pessoa sã (…) à possibilidade (…) de encurtar a duração de sua vida em 25 ou 30 anos para alongar a vida de outra pessoa 25 ou 30 meses, ou menos?” A revista Newsweek de 2 de março de 1964, pág. 74, diz que o doutor “não oferece nenhuma resposta concludente, senão que sugere que a pergunta deveria propor-se mais com frequência.”
A morte de pacientes devido às complicações dos transplantes, como no caso do menino de três anos que não sobreviveu por mais de cinco horas após o primeiro transplante de fígado entre humanos realizado por Thomas Starzl em 1963. Além disso, os transplantes de coração, pulmão e rins tinham resultados limitados, com altas taxas de mortalidade no primeiro ano pós-transplante.
A principal complicação dos transplantes era a rejeição do organismo receptor ao órgão transplantado, o que levava à necessidade de usar medicamentos imunossupressores potentes. Porém, esses medicamentos também aumentavam o risco de infecções graves e até mesmo morte dos pacientes.
Somente em 1976 foi descoberto o valor imunossupressor da ciclosporina, fato que revolucionou o campo dos transplantes. Com a aprovação médica do uso da ciclosporina em 1983, os transplantes passaram a ser uma terapia relativamente segura e eficaz.
Dessa forma, é possível notar que, na época em que as Testemunhas de Jeová se mostravam contra os transplantes, eles eram considerados experimentos médicos de alto risco e não a terapia segura e eficaz que são hoje em dia.
Há casos reais de Testemunhas expulsas ou mortas por esta questão?
Apesar dos riscos envolvidos na época, os detratores afirmaram erroneamente que muitas Testemunhas de Jeová morreram prematuramente por se recusarem a receber transplantes de órgãos. No entanto, não há evidências concretas para apoiar essas alegações. Alguns casos citados, como o de Arvid Einar Moody e Delores Busselmann, são mal interpretados e não levam em consideração o contexto histórico e a natureza experimental e arriscada dos transplantes na época. Além disso, a postura das Testemunhas de Jeová em relação às transfusões de sangue era diferente da sua abordagem em relação aos transplantes de órgãos, como demonstrado em um caso publicado na revista A Sentinela. Em resumo, as alegações de que as Testemunhas de Jeová sofreram prejuízos devido à recusa de transplantes de órgãos são infundadas e não refletem a realidade.
Mas quando se lhe pergunta se daria seu consentimento para doar um rim, esta foi sua reação:
“Disse-lhe que ele receberia uma resposta franca e cabal a sua pergunta depois que eu considerasse com minha família o que a Palavra de Deus dizia sobre aquela questão”.
Não foi até o dia seguinte que lhe respondeu de forma negativa. Isto ilustra claramente que a questão dos transplantes não era comparável à das transfusões de sangue. Os transplantes não estavam proibidos categoricamente, senão as Testemunhas de Jeová não deveriam tomar sua decisão pessoalmente (ou conferindo com sua família, como no caso deste jovem).
Conclusão
Em resumo, as publicações das Testemunhas de Jeová expressaram uma postura negativa em relação aos transplantes, mas não há evidências de que qualquer Testemunha morreu por recusar um transplante. Na época, os transplantes eram considerados experimentos de alto risco, e a postura não era fanática ou suicida. Além disso, não havia medidas disciplinares contra aqueles que optavam por não realizar transplantes. A acusação feita por opositores contém verdades distorcidas, e não há paralelo entre essa postura e a postura das Testemunhas de Jeová em relação às transfusões. Portanto, a acusação é falaciosa e tendenciosa, fora do contexto histórico.
De seus irmãos e amigos…
O Publicador do Reino
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